"Não há nada escondido que não venha a ser revelado, nem oculto que não venha a se tornar conhecido". Lucas, 8:17,12:2 em Mateus10:26

"Corra o juízo como as águas; e a justiça, como ribeiro perene". Amós (570-550 a.c.)

"Ninguém pode ser perfeitamente livre até que todos o sejam".

Santo Agostinho

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Globo, Abril e Folha se unem contra CPI da mídia

Globo, Abril e Folha se unem contra CPI da mídia

Foto: Folhapress_Divulgação
PRINCIPAIS GRUPOS DE COMUNICAÇÃO FECHAM PACTO DE NÃO AGRESSÃO E TRANSMITEM AO PLANALTO A MENSAGEM DE QUE PRETENDEM RETALIAR O GOVERNO SE HOUVER QUALQUER CONVOCAÇÃO DE JORNALISTAS OU DE EMPRESÁRIOS DO SETOR; PORTA-VOZ DO GRUPO NA COMISSÃO É O DEPUTADO MIRO TEIXEIRA; NA INGLATERRA, UM PAÍS LIVRE, O MAGNATA RUPERT MURDOCH DEPÔS ONTEM
26 de Abril de 2012
247 – Há exatamente uma semana, o 247 revelou com exclusividade que o executivo Fábio Barbosa, presidente do grupo Abril e ex-presidente da Febraban, foi a Brasília com uma missão: impedir a convocação do chefe Roberto Civita pela CPI sobre as atividades de Carlos Cachoeira. Jeitoso e muito querido em Brasília, Barbosa foi bem-sucedido, até agora. Dos mais de 170 requerimentos já apresentados, não constam o nome de Civita nem do jornalista Policarpo Júnior, ponto de ligação entre a revista Veja e o contraventor Carlos Cachoeira. O silêncio do PT em relação ao tema também impressiona.
Surgem, aos poucos, novas informações sobre o engavetamento da chamada “CPI da Veja” ou “CPI da mídia”. João Roberto Marinho, da Globo, fez chegar ao Palácio do Planalto a mensagem de que o governo seria retaliado se fossem convocados jornalistas ou empresários de comunicação. Otávio Frias Filho, da Folha de S. Paulo, também aderiu ao pacto de não agressão. E este grupo já tem até um representante na CPI. Trata-se do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).
Na edição de hoje da Folha, há até uma nota emblemática na coluna Painel, da jornalista Vera Magalhães. Chama-se “Vacina” e diz o que segue abaixo:
“O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) vai argumentar na CPI, com base no artigo 207 do Código de Processo Penal, que é vedado o depoimento de testemunha que por ofício tenha de manter sigilo, como jornalistas. O PT tenta levar parte da mídia para o foco da investigação”.
O argumento de Miro Teixeira é o de que jornalistas não poderão ser forçados a quebrar o sigilo da fonte, uma garantia constitucional. Ocorre que este sigilo já foi quebrado pelas investigações da Polícia Federal, que revelaram mais de 200 ligações entre Policarpo Júnior e Carlos Cachoeira. Além disso, vários países discutem se o sigilo da fonte pode ser usado como biombo para a proteção de crimes, como a realização de grampos ilegais.
Inglaterra, um país livre
Pessoas que acompanham o caso de perto estão convencidas de que Civita e Policarpo só serão convocados se algum veículo da mídia tradicional decidir publicar detalhes do relacionamento entre Veja e Cachoeira. Avalia-se, nos grandes veículos, que a chamada blogosfera ainda não tem força suficiente para mover a opinião pública e pressionar os parlamentares. Talvez seja verdade, mas, dias atrás, a hashtag #vejabandida se tornou o assunto mais comentado do Twitter no mundo.
Um indício do pacto de não agressão diz respeito à forma como veículos tradicionais de comunicação noticiaram nesta manhã o depoimento de Rupert Murdoch, no parlamento inglês. Sim, Murdoch foi forçado a depor numa CPI na Inglaterra – não na Venezuela – para se explicar sobre a prática de grampos ilegais publicados pelo jornal News of the World. Nenhum jornalista, nem mesmo funcionário de Murdoch, levantou argumentos de um possível cerceamento à liberdade de expressão. Afinal, como todos sabem, a Inglaterra é um país livre.
O Brasil se vê hoje diante de uma encruzilhada: ou opta pela liberdade ou se submete ao coronelismo midiático.
Comentários:

Fonte: http://brasil247.com/pt/247/midiatech/56341/Globo-Abril-e-Folha-se-unem-contra-CPI-da-m%C3%ADdia.htm
Marques Moreira Avelar 26.04.2012
A Veja com seus jagunços "Augusto dos Arranjos" e Reinaldo Azevedo é "hours concours" nessa empreitada de derrubar o governo do PT.A Folha , desde o evento de tentar afundar a Dilma abrindo arquivos , já dava mostra do seu comprometimento em abismar o governo. A Globo,apesar de ter um séquito de articulistas atolados nos ditames da direita, pelo menos não perde o bonde das notícias. Mas a campeã das canalhices é a Veja.
Eros Alonso 26.04.2012                                                                                                                                      O ano era 1978 se não me engano. O presidente era Figueiredo e eu um repórter recém formado.
O presidente de então, com toda a pompa dos generais presidentes, foi visitar a Editora Abril e um grande número de jornalistas acompanhou essa visita. Subi no elevador com o General Milton Tavares, pequeno franzino, mas com voz forte. No aperto do elevador o general brincou dizendo: "Gosto de apertar a Imprensa". Fora essa frase do general outra coisa me marcou naquela visita. Em uma sala, uma máquina com uma placa comemorativa na frente com os dizeres: Adquirida com a Campanha - Dei Ouro para o Bem do Brasil. Então me lembrei que fui levado por minha irmã mais velha até uma fila onde entreguei um pequeno anel de ouro em um ato de cidadania.Tinha cinco anos de idade quando doei o anel. Depois, como jornalista, acompanhei a trajetória da Veja, revista que se desvirtuou com o tempo. Proteger a Veja é proteger a Imprensa Marron. Esse homem, Civita, já causou muito mal ao país. Deve ser investigado.

domingo, 22 de abril de 2012

Tiradentes e o 21 de abril

Por Assis Ribeiro
Do MiniWeb Educação
A Conjuração Mineira e Tiradentes
Foi para libertar Minas e o Brasil do despótico regime colonial que Tiradentes lutou e morreu. Sua execução, em 21 de abril de 1792, encerrou de forma cruel uma vida modesta, de muito trabalho, muito sonho e muita luta.
Como era o Brasil de Tiradentes. Na segunda metade do século XVIII, dois fatos importantes estavam acontecendo no Brasil: um econômico, outro político. O fato econômico era o empobrecimento da região das Minas Gerais, onde se esgotavam as reservas minerais, até mesmo de ouro; esse empobrecimento vinha acompanhado por aumentos de impostos e da repressão política, o que provocava indignação do povo. E o fato político era o desejo de independência, estimulado por ideias oriundas da França e dos Estados Unidos; quem trazia essas ideias eram filhos de famílias abastadas, que saíam de Minas para estudar no exterior, principalmente nas universidades de Coimbra (Portugal) e Montpellier (França).
Para Portugal, a grande fonte de riqueza no Brasil eram o ouro, os diamantes e outros minerais preciosos, que no século anterior (o XVII) haviam substituído o açúcar como principal produto do país. Nessa época, todo o subsolo brasileiro era propriedade da coroa portuguesa, que, além de autorizar a busca e a lavra, cobrava numerosos tributos. Um desses tributos era a capitação, calculada, como o nome indica, pelo número de cabeças, ou seja, o número de pessoas dependentes de um senhor. Na prática, eram inúmeras as formas de calcular imposto. Uma delas, por exemplo, era contar as bateias empregadas na lavra. Por meio desses cálculos, chegava-se a um peso em ouro que devia ser entregue a Portugal no fim do ano. O sistema era odiado, pois nem sempre as minas produziam o suficiente para pagar a capitação, problema que se agravou quando as jazidas começaram a se esgotar. Por exemplo: as câmaras de Vila Rica (atual cidade de Ouro Preto), Sabará e Carmo garantiram à coroa uma captação de cem arrobas de ouro (1.500 quilos mais ou menos). Como a certa altura os pagamentos efetuados pelos mineradores não atingissem esse total, decretou-se uma derrama, ou seja, cobraram-se cotas extras nas três vilas a fim de completar a capitação. A derrama também era usada para cobrar impostos extraordinários.
Como a captação criava esses problemas, a própria coroa passou a preferir o sistema das casas de fundição: todo o ouro produzido devia ser transformado em barras nas casas de fundição; e lá mesmo se retirava o "quinto d’el rei" (o princípio geral era que Portugal ficava com um quinto de toda a produção colonial). Ao mesmo tempo, proibiu-se a circulação do ouro em pó e em pepitas. A própria profissão de ourives foi proibida no Brasil. No entanto, a adoção do sistema das casas de fundição não acabou com o sistema da capitação: na época de Tiradentes, os dois coexistiam.
Havia também outros tributos: os dízimos (que, como o nome indica, equivalia a um décimo de certos rendimentos), os direitos de entrada e as passagens de rios. Pagavam direitos de entrada os escravos que entravam pela primeira vez numa das áreas delimitadas para esse efeito, e também o gado e as cargas de fazenda, tanto seca quanto molhada. E isso não era tudo. O historiador Capistrano de Abreu, no livro Capítulos de história colonial, fala dos "donativos implorados por prazo certo e curto e depois exigidos imperiosamente por prazo muito maior..." Acrescente-se ainda a isso que o comércio exterior era monopólio português (somente se podia exportar para Portugal e importar de Portugal, e os portos brasileiros só podiam receber navios portugueses). Ademais, toda a indústria era proibida, inclusive a têxtil (um alvará de 1785 determinava o fechamento das manufaturas de tecidos considerados "finos" e ordenava até que se quebrassem os teares); e igualmente proibidas eram as universidades, bem como os jornais e outras publicações, consideradas focos potenciais de subversão contra a ordem colonial.
Em suma, o Brasil do século XVIII era uma colônia portuguesa sujeita a um regime extremamente severo e sufocado por impostos que se tornavam intoleráveis; e ao mesmo tempo era um país que começava a sonhar com a independência, estimulado por jovens, especialmente mineiros, que voltavam das universidades europeias e divulgavam princípios de autonomia, progresso e liberdade. Eram doutrinas estimuladas pela revolução americana (que pôs fim à colonização dos Estados Unidos pela Grã-Bretanha) e pelos ensinamentos de filósofos franceses (cujas ideias inspiraram a revolução francesa, a qual liquidou com a monarquia absolutista no país). Essas doutrinas inspiravam vários movimentos rebeldes em diversos pontos do Brasil. E, como é natural, o movimento de maior repercussão foi aquele que ocorreu na província mais rica e envolvendo as pessoas mais ilustres. Vida, luta e morte de Tiradentes. Foi para libertar Minas e o Brasil do despótico regime colonial que Tiradentes lutou e morreu. Sua execução, em 21 de abril de 1792, encerrou de forma cruel uma vida modesta, de muito trabalho, muito sonho e muita luta. Não encerrou, porém, a luta pela independência, que acabaria conquistada trinta anos depois.
Joaquim José da Silva Xavier nasceu numa fazenda chamada Pombal, entre as vilas de São José (hoje Tiradentes) e São João del Rei, nas Minas Gerais, no ano de 1746. Não se sabe o mês nem o dia. Era filho de pai português e de mãe brasileira. Tinha seis irmãos, um dos quais, o mais velho, ensinou-lhe a ler e escrever, entre outras coisas. Muito mais aprendeu depois, sozinho. Ficou órfão de mãe aos nove anos e de pai aos onze ou quinze, segundo diferentes relatos. Criado desde então por um padrinho cirurgião, aprendeu com este, noções práticas de medicina e odontologia. Chegou a trabalhar como dentista prático, donde o apelido de Tiradentes, recebendo elogios por sua grande habilidade e delicadeza, e pela perfeição de seus trabalhos de prótese. Fez muitas outras coisas na vida: tentou a mineração, foi tropeiro e mascate (ocupações que o levaram a conhecer melhor as Minas Gerais, a Bahia e o Rio de Janeiro) e acabou sentando praça no regimento de Dragões (cavalaria) das Minas Gerais. No posto de alferes, foi designado para algumas missões importantes: comandou a patrulha do Caminho Novo, por onde transitavam ouro e diamantes para o Rio de Janeiro, e chefiou a guarda da viscondessa de Barbacena quando ela foi a Vila Rica. Mas nunca passou de alferes. É possível que o fato de ser mazombo tenha pesado contra ele, pois as autoridades portuguesas só tinham confiança plena nos portugueses natos. O fato é que foi preterido quatro vezes nas promoções.
De qualquer modo, os sonhos de Tiradentes não se limitavam a uma carreira militar. O alferes, que tinha um espírito ao mesmo tempo sonhador e prático, interessava-se por diferentes artes, entre elas a engenharia e a mineralogia. Projetou, por exemplo, o abastecimento de água para o Rio de Janeiro, mediante a canalização dos rios Andaraí e Maracanã. Para muita gente, eram projetos de louco: por causa deles foi certa vez vaiado ao entrar num teatro do Rio (o projeto, porém, seria executado no reino de D. João VI). Projetou também armazéns e um trapiche para embarque de gado, também no Rio. E tinha a ideia de instalar em Minas uma fábrica de ferro.
Da sua vida pessoal, não se sabe muito. Já aos 35 anos, namorou uma moça do arraial do Tijuco (atual Diamantina), sobrinha de um companheiro de conspiração, o padre José da Silva de Oliveira Rolim. O padre chegou a pedir a mão da sobrinha em casamento para o Tiradentes. Mas o pai já a concedera a outro pretendente. (Lembre-se que naquele tempo era comum o noivado ser arranjado entre os pais e os noivos só se conhecerem no dia do casamento). Sabe-se também que, durante pouco menos de um ano, Tiradentes teve uma ligação amorosa com uma viúva da região de Vila Rica. Ignoramos-lhe o nome, mas sabemos que os dois tiveram uma filha e que se chamou Joaquina.
Tiradentes morreu solteiro. A morte seria o fim de seu sonho maior — a independência do Brasil, a começar pela das Minas Gerais, tentada por meio do movimento que ficou conhecido como Inconfidência Mineira. Esse nome foi usado durante bastante tempo, inclusive pelos historiadores brasileiros, embora criado pelas autoridades portuguesas: para elas, os revoltosos de Minas eram "inconfidentes", ou seja, traidores. Hoje, os historiadores preferem o nome Conjuração Mineira. Também às autoridades portuguesas se deve o fato de o alferes ter ficado conhecido como Tiradentes. Era uma maneira depreciativa de referir-se ao líder rebelde. Esse nome, porém, ficou — só que o apelido originalmente pejorativo tornou-se um símbolo de independência e heroísmo. Pois a história dessa rebelião, com seu programa político, o modo como se organizou e seu desfecho trágico, confunde-se em grande parte com a história dos últimos anos de vida do Tiradentes.
A história da Conjuração. Tiradentes conheceu o Brasil trabalhando e viajando. Assim aprendeu como era rico o solo mineiro e até que ponto o país era espoliado. Entendeu também que não haveria saída possível enquanto o país fosse uma colônia. Por isso, ao partir para o Rio de Janeiro, em 1787, o projeto de canalização de água anunciado como razão da viagem era na verdade apenas um objetivo preliminar: ele esperava que esse projeto de engenharia financiasse o projeto maior — o político. Começou nessa época sua pregação revolucionária. Foi então que conheceu dois rapazes que haviam estudado na Europa e voltado com idéias de independência: Domingos Vidal de Barbosa e José Álvares Maciel. Os dois iriam participar do movimento. Barbosa era médico e Maciel formara-se em filosofia, especializando-se em química, mineralogia e aerostática (naquele tempo as ciências naturais faziam parte da filosofia). Foi Maciel quem deu a Tiradentes uma compilação de leis da nova república norte-americana.
O grupo foi-se formando: Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga, Carlos Correia de Toledo, Luís Vieira da Silva, Francisco de Paula Freire de Andrade.
Cláudio Manuel da Costa estudara em Coimbra. De volta a Minas, advogou em Mariana, onde nascera, e em Vila Rica, onde morreria. Foi secretário do governo da capitania de Minas Gerais e juiz em Vila Rica. Como poeta, tinha gosto neoclássico, trabalhou para reviver as formas do quinhentismo português e publicou sua poesia com o nome de Glauceste Satúrnio. Fundou o movimento poético chamado Arcádia Ultramarina. À época da conjuração, tinha sessenta anos.
Inácio José de Alvarenga Peixoto nascera no Rio, estudou em Coimbra e chegou a ser juiz em Sintra, também em Portugal. Foi ouvidor da comarca do rio das Mortes. Como poeta, considerava-se discípulo de Cláudio Manuel da Costa. Participou do movimento arcádico mineiro e sua obra em grande parte se perdeu.
Tomás Antônio Gonzaga nascera no Porto, em Portugal. Estudou direito em Coimbra, foi juiz em Beja e ouvidor em Vila Rica. De sua poesia destacam-se duas obras: uma são os versos conhecidos sob o título geral de Marília de Dirceu (Marília era o nome poético que dava a Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, de quem ficaria noivo, e Dirceu era o seu próprio nome poético); a outra obra são as Cartas chilenas, uma sátira à província das Minas Gerais e aos desmandos do Fanfarrão Minésio, identificado como o governador Luís da Cunha Menezes, antecessor do visconde de Barbacena.
Mas nem só de poetas viveria a conjuração, que teve adesões também entre os militares e o clero. Francisco de Paula Freire de Andrade era tenente-coronel e comandante do regimento de Dragões. Carlos Correia de Toledo era padre e vigário de São João d’el Rei. Luís Vieira da Silva era cônego.
Conseguidas dezenas de adesões, os planos tomaram forma: fundar em Minas uma república independente; mudar a capital de Vila Rica para São João d’el Rei; adotar a bandeira branca com um triângulo ao centro, representando a Santíssima Trindade, e a divisa Libertas quae sera tamen (Liberdade ainda que tardia); abrir fábricas de ferro, pólvora e outras indústrias; criar uma casa da moeda. Alguns pensavam até em libertar os escravos. O plano foi sendo detalhado: esperar o dia de uma derrama que estava anunciada, a fim de aproveitar a indignação geral e mobilizar apoio para a revolta; distribuir entre os conjurados a tarefa de sublevar as várias vilas. Ao mais graduado, o tenente-coronel Paula Freire de Andrade, caberia o golpe final — prisão do governador, o visconde de Barbacena. A senha para a eclosão do movimento era "Tal dia é o batizado".
Tiradentes possuía grandes qualidades revolucionárias: paixão pela causa, poder de argumentação, capacidade de organização. Não tinha, porém, a paciência e a prudência revolucionárias. Pregava o levante de forma tão aberta que fatalmente se expunha à delação. Com efeito, a rebelião já era do conhecimento público quando a delação afinal ocorreu. O coronel de cavalaria e negociante Joaquim Silvério dos Reis; o tenente-coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago; e o mestre-de-campo Inácio Correia Pamplona, todos portugueses, infiltraram-se no círculo dos revoltosos e entregaram ao governador os detalhes da conjuração. Joaquim Silvério dos Reis foi mais além: seguiu Tiradentes até o Rio (onde ele ia conspirar sempre a pretexto de projetar obras públicas) e informou às autoridades locais onde pernoitava o Tiradentes. Já então, no Rio, o vice-rei D. Luís de Vasconcelos recebera do visconde de Barbacena, seu sobrinho, o pedido para prender Tiradentes. Em 10 de maio de 1789, ele foi detido.
Enquanto isso, em Minas, o governador interrogava outros implicados, e as prisões se sucediam. Duas devassas foram abertas, uma no Rio, outra em Minas. Acareados com testemunhas de acusação, os réus juravam inocência, mas ora desmentiam de maneira frouxa as acusações contra os companheiros, ora chegavam a dar informações valiosas. O depoimento de Domingos Vidal de Barbosa, por exemplo, comprometeu José Álvares Maciel e Tiradentes, especificando até que o alferes se encarregaria de dar cabo do governador.
Dois acusados acabariam tendo um fim terrível. O velho poeta Cláudio Manuel da Costa, apavorado com os rumos da devassa, enforcou-se na prisão (segundo alguns historiadores, foi assassinado, mas essa versão não está provada). E Tiradentes teve seu fim, ainda muito mais terrível, determinado na sentença que encerrou a devassa:
"Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas Gerais, a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre e que, depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde, em lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregado em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios e povoações, até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu".
Foi Tiradentes que assumiu a responsabilidade principal por todo o plano de rebelião. Ao fim da devassa, lavraram-se onze sentenças de morte, várias de degredo e algumas absolvições. Uma carta régia datada de 15 de outubro de 1791, assinada por D. Maria I, autorizava a comutar as penas de sangue em degredo na África com ameaça de morte em caso de volta ao Brasil. A alçada que julgou os conjurados decidiu confirmar a sentença de morte de Tiradentes e comutar as outras em degredo perpétuo. (Para prolongar a angústia dos condenados, porém, a alçada escondeu a carta régia, e só no fim revelou o ato de clemência.) Os historiadores são unânimes em relatar que Tiradentes se comportou com notável coragem, tanto durante a devassa quanto durante a execução. Sua sentença cumpriu-se em todo o seu rigor no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1792. E o conde de Resende, que substituía o vice-rei, de viagem a Lisboa, ainda transformou a execução num espetáculo de gala, convocando o povo para presenciá-la sob pena de incorrer no desagrado real.
Os degredados tiveram fins diversos. Alvarenga Peixoto morreu em Angola, em 1793, depois que sua mulher, Bárbara Heliodora, enlouqueceu. Gonzaga casou-se em Moçambique com a filha de um negociante abastado, e desfrutou de boa posição econômica e social até o fim da vida. O decreto 756-A de 21 de abril de 1933 determinou providências para trazer para o Brasil as cinzas dos que morreram no degredo.
Quanto a Tiradentes, passou um século esquecido. Nem com a independência, proclamada em 1822 (trinta anos após a sua morte, portanto) ele ganhou o lugar merecido entre os heróis da pátria. Foi preciso que se proclamasse a República para que o dia 21 de abril se tornasse feriado nacional. E só em 9 de dezembro de 1965, a lei 4.897 o proclamou "patrono cívico da nação brasileira". São homenagens mais do que merecidas, porque, além de demonstrar admirável abnegação, ele construiu uma obra política cuja importância hoje é evidente. Apesar de vencida, a Conjuração Mineira, assim como outros movimentos rebeldes do Brasil colonial, ajudou a abrir caminho para o rompimento do domínio português.
Outro exemplo ocorreria, por exemplo, em 1798, com a chamada Conjuração Baiana, ou Conspiração dos Alfaiates, que mobilizou pessoas de situação social humilde na tentativa de fundar uma república democrática na Bahia; terminou com o enforcamento de quatro líderes. Essas tentativas puseram a nu a espoliação e a cruel tirania da metrópole. E ao dar o exemplo do inconformismo e da revolta organizada, os conjurados de Minas, liderados pelo alferes Tiradentes, os da Bahia, chefiados pelo alfaiate João de Deus do Nascimento, e os de tantos outros pontos do Brasil demonstraram que existia um caminho alternativo: o da independência.
Comentário:
Jorge Nogueira Rebolla
A Inconfidência não tinha como objetivo libertar o Brasil. Este conceito não existia na época. Como todas as demais revoltas do período colonial e do Império eram regionais. Caso obtivesse sucesso o território deste novo país seria formado pelas regiões de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.
Um habitante do Grão-Pará nada tinha a ver com os inconfidentes. O mesmo pode ser dito de quem vivia na capitania de São Pedro do Rio Grande.  Este movimento nativista se vitorioso teria deflagrado a fragmentação da América portuguesa. A nossa história não existiria. O Brasil não existiria.
A figura gigantesca do mártir Tiradentes foi uma invenção para uma nação carente de heróis adversários da monarquia.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A quem serve o jornalista Ricardo Noblat com esse artigo?

"Lula constrange Dilma com CPI"
Jornalista Ricardo Noblat

EM ARTIGO, RICARDO NOBLAT COMENTA O PAPEL AUTORITÁRIO QUE O EX-PRESIDENTE ASSUMIU DIANTE DA INVESTIGAÇÃO DE CARLINHOS CACHOEIRA, IGNORANDO A POSIÇÃO DE SUA SUCESSORA
Fonte: http://brasil247.com/pt/247/midiatech/54817/Lula-constrange-Dilma-com-CPI.htm
19 de Abril de 2012
247 – Para abafar a investigação do escândalo que abalou sua gestão, Lula não hesitou em ignorar o papel de sua sucessora para impor sua autoridade. Leia o artigo de Ricardo Noblat:
Sabe de uma coisa? Se o presidente da República mais popular da História não se constrange em atropelar seu sucessor e inventa uma CPI para atrasar o julgamento dos acusados pelo mais espetacular escândalo do seu governo, às favas, pois, com todos os escrúpulos.
Sigamos o líder. Copiemos seus exemplos. Exaltemos sua sabedoria. Por que não?
Afinal, a maioria de nós não parece se constranger com mais nada. Desde que a economia vá bem, os titulares do poder podem se comportar como quiser.
Por velha, sem essa de que somos necessariamente vítimas dos malfeitos que eles cometem. Alheios ou acomodados, antes talvez sejamos cúmplices. De resto – e nunca se sabe! - sempre pode sobrar algum...
Sem renunciar ao sorriso, a etérea Ana de Hollanda, ministra da Cultura, garantiu na semana passada que seu ministério não se sente nem um pouco constrangido em ter de gastar R$ 14,4 milhões com a construção do Museu do Trabalho e do Trabalhador em São Bernardo do Campo. Imagina!
A prefeitura entrará com mais quase R$ 4 milhões.
O museu servirá para quê? Na teoria para oferecer todo tipo de informação a respeito da luta no final do século passado dos operários das fábricas instaladas na região do ABC paulista. Foi um período de muitas greves por melhores salários e de forte repressão militar. A ditadura agonizava.
Ao fim e ao cabo, o museu incensará o papel de Lula como líder sindical.
Você vê algum problema no uso do dinheiro público para isso? Certamente que não vê. Você gosta de Lula, não é?
Mas você vê problema no uso de dinheiro público para manter o memorial de Sarney instalado num convento antigo de São Luís do Maranhão, não vê? Ali estão os documentos referentes ao seu governo. Você não gosta de Sarney. E assim caminha a humanidade...
A se acreditar no que dizem, ninguém sabia que Carlos Cachoeira era contraventor. Que explorava jogos eletrônicos.
Nem sabiam os governadores Marconi Perillo (PSDB), de Goiás, e Agnelo Queiroz (PT), do Distrito Federal, nem os deputados ajudados por Cachoeira com dinheiro ou favores para suas campanhas eleitorais. Foi o que disseram. E sem o mais tênue sinal de constrangimento.
No passado remoto, sim, Cachoeira havia sido contraventor. Mais especificamente, bicheiro.
Marconi e Agnelo se reuniram com ele quando Cachoeira era um homem regenerado. Pelo menos assim pensavam. Pelo menos assim afirmam que pensavam. Não só regenerado: um empresário ligado à Delta, a dona das maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), presente em todos os Estados brasileiros. Coisa de empresa idônea.
Responda com sinceridade: que governador poderia se dar ao luxo de desprezar um empresário interessado em fazer negócios no seu Estado? E que deputado, empenhado em ganhar um novo mandato, poderia meter o dedo no nariz de um ex-contraventor e ordenar categórico: “Ofereça seu dinheiro para meus adversários. Não confio em você. E não preciso dele”.
Não preciso dele? Dele, o dinheiro? Dinheiro de graça em troca apenas de um voto aqui favorável a certo projeto de interesse do doador, uma embaixadinha ali para ajudar o doador junto a algum burocrata?
Eleição custa caro. Político detesta meter a mão no bolso para pagar despesas com seu próprio dinheiro.
Empresário está aí para isso mesmo. E sem nenhum constrangimento. É do jogo.
Constrangimento, constrangimento de verdade sofreu a presidente Dilma Rousseff. Lula não a consultou para sugerir ao PT a criação da CPI do Cachoeira.
O PT aproveitou uma viagem internacional dela para aprovar a sugestão de Lula. O Caso Cachoeira poderia se resumir à ação da Justiça contra ele – e a do Senado contra Demóstenes Torres. Para Dilma estaria de bom tamanho.
Ela não queria uma CPI – terá que engoli-la constrangida. Ela continua sendo contra a CPI, mas não poderá admitir sem se constranger.
Afinal, onde já se viu a fundadora de “um padrão mundial de combate à corrupção”, como observou Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana, desautorizar ou enfraquecer uma CPI destinada a combater a bandidagem?

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Disposição Final! A tragédia da Ditadura Argentina

Buenos Aires - O homem forte da ditadura argentina, Jorge Rafael Videla, acrescentou novas informações sobre como foram tomadas as decisões sobre os presos, a confecção das listas das pessoas que deviam ser detidas e em quê consistiu o método de extermínio de opositores políticos chamado, em vocabulário militar, “Disposição Final”.

Sem autocrítica nem arrependimento, embora sim confessando, pela primeira vez, certo “desconforto” e “um peso na alma”, o repressor relata para o livro "Disposição Final", do jornalista argentino Ceferino Reato, os passos que os militares e os aparatos de segurança do regime seguiam para ganhar “a guerra contra a subversão”: "Suponhamos que eram sete ou oito mil as pessoas que deviam morrer para ganhar a guerra contra a subversão; não podíamos fuzilá-las. Também não podíamos levá-las à Justiça”, afirma.

Videla conta que Disposição Final são “duas palavras muito militares, e significam tirar de serviço uma coisa por ser "imprestável". Quando, por exemplo, se fala de uma roupa que já não se usa ou não serve porque está gasta, passa à Disposição Final. Já não tem vida útil”.

Videla relatou ao jornalista Reato o “método” para a detenção e desaparição de pessoas e suas quatro etapas:

1. A detenção ou o sequestro de milhares de "líderes sociais" e "subversivos" seguindo listas elaboradas entre janeiro e fevereiro de 1976, antes do golpe, com a colaboração de empresários, sindicalistas, professores e dirigentes políticos e estudantis.

2. Os interrogatórios em lugares secretos ou centros clandestinos.

3. A morte dos detidos considerados "irrecuperáveis", geralmente em reuniões específicas encabeçadas pelo chefe de cada uma das cinco zonas nas quais foi dividido o país.

4. A desaparição dos corpos, que eram jogados no mar, em rios, arroios ou canaia; ou ainda enterrados em lugares secretos, ou queimados em um forno ou em uma pilha de pneus de automóveis.

Diante da pergunta de por que os chefes militares haviam chegado à conclusão de que não podiam levar os detidos diante da Justiça, Videla respondeu: "Também não podíamos fuzilá-los. Como íamos fuzilar toda essa gente? A justiça espanhola, comparou, condenou à morte três integrantes do ETA, uma decisão que Franco avalizou apesar dos protestos de boa parte do mundo: só pôde executar o primeiro, e isso que era Franco. Também existia o temor mundial que a repressão de Pinochet no Chile havia provocado”.

O ex-ditador continua pensando que "não havia outra solução. Estávamos de acordo em que era o preço a pagar para ganhar a guerra e necessitávamos que não fosse evidente para que a sociedade não percebesse. Por isso, para não provocar protestos dentro e fora do país, durante o transcurso dos fatos se chegou à decisão de que essas pessoas desapareceriam; cada desaparição pode ser entendida, certamente, como a maquilagem ou a dissimulação de uma morte".

Em vinte horas e nove entrevistas, realizadas entre outubro do ano passado e março de 2012, Videla respondeu perguntas sobre a ditadura que encabeçou durante cinco anos, entre 1976 e 1981, ano em que é substituído pelo general Roberto Viola, suspeito de haver desaparecido milhares de pessoas durante seu governo de fato.

É a primeira vez que Videla fala de forma concreta sobre o destino dos desaparecidos, claro que, sem arrependimento: “Se bem que não estou arrependido de nada e durmo muito tranquilo todas as noites, tenho sim um peso na alma e gostaria de fazer uma contribuição para assumir minha responsabilidade de uma maneira tal, que sirva para que a sociedade entenda o que aconteceu e para aliviar a situação de militares que tinham menos graduação que eu, e que tiveram que cumprir as ordens para continuar no Exército".

Consultado sobre o porquê de ter decidido falar agora sobre o tema dos desaparecidos, Videla sustenta que ele e outros militares acusados ou condenados por violações aos direitos humanos, confiavam no triunfo de Eduardo Duhalde nas eleições presidenciais do ano passado, de quem esperavam uma espécie de anistia. Aos 86 anos e frente a quatro anos mais de governo kirchnerista, o ditador pensa que já não tem sentido manter o silêncio que se havia autoimposto.

O repressor Jorge Rafael Videla foi processado em três processos judiciais desde a volta da democracia. Em 1985, pela Causa 13/84, foi condenado à prisão perpétua, no denominado Julgamento das Juntas Militares, no qual a promotoria o acusou formalmente por 700 casos de violação dos direitos humanos. Em 1991, foi anistiado pelo ex-presidente Carlos Menem.

Em 2010, foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato de 31 presos políticos, a maioria deles durante simulações de fuga para encobrir os crimes. Por este processo também foram condenados mais de uma dezena de repressores, entre eles, Luciano Benjamín Menéndez.

Também foi declarado responsável pela existência de um plano sistemático para o roubo de bebês durante a ditadura e sua cumplicidade no marco da Operação Condor.

Tradução: Libório Junior
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19971&boletim_id=1169&componente_id=18703

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Safatle: Escracho honra o Brasil

                                                                                                                                                      "... um Judiciário cínico ..." (Foto: Leandro Silva/Sul 21)


Aqueles que hoje desafiam a mudez do esquecimento e dizem, em voz alta, onde moram os que entraram pelos escaninhos da ditadura brasileira para torturar, estuprar, assassinar, sequestrar e ocultar cadáveres honram o país.

Quando a ditadura extorquiu uma anistia votada em um Congresso submisso e prenhe de senadores biônicos, ela logo afirmou que se tratava do resultado de um “amplo debate nacional”. Tentava, com isto, esconder que o resultado da votação da Lei da Anistia fora só 206 votos favoráveis (todos da Arena) e 201 contrários (do MDB). Ou seja, os números demonstravam uma peculiar concepção de “debate” no qual o vencedor não negocia, mas simplesmente impõe.

Depois desse engodo, os torturadores acreditaram poder dormir em paz, sem o risco de acordar com os gritos indignados da execração pública e da vergonha. Eles criaram um “vocabulário da desmobilização”, que sempre era pronunciado quando exigências de justiça voltavam a se fazer ouvir.

“Revanchismo”, “luta contra a ameaça comunista”, “guerra contra terroristas” foram palavras repetidas por 30 anos na esperança de que a geração pós-ditadura matasse mais uma vez aqueles que morreram lutando contra o totalitarismo. Matasse com as mãos pesadas do esquecimento.

Mas eis que estes que nasceram depois do fim da ditadura agora vão às ruas para nomear os que tentaram esconder seus crimes na sombra tranquila do anonimato.

Ao recusar o pacto de silêncio e dizer onde moram e trabalham os antigos agentes da ditadura, eles deixam um recado claro. Trata-se de dizer que tais indivíduos podem até escapar do Poder Judiciário, o que não é muito difícil em um país que mostrou, na semana passada, como até quem abusa sexualmente de crianças de 12 anos não é punido. No entanto eles não escaparão do desprezo público.

Esses jovens que apontam o dedo para os agentes da ditadura, dizendo seus nomes nas ruas, honram o país por mostrar de onde vem a verdadeira justiça. Ela não vem de um Executivo tíbio, de um Judiciário cínico e de um Legislativo com cheiro de mercado persa. Ela vem dos que dizem que nada nos fará perdoar aqueles que nem sequer tiveram a dignidade de pedir perdão.

Se o futuro que nos vendem é este em que torturadores andam tranquilamente nas ruas e generais cospem impunemente na história ao chamar seus crimes de “revolução”, então tenhamos a coragem de dizer que esse futuro não é para nós.

Este país não é o nosso país, mas apenas uma monstruosidade que logo receberá o desprezo do resto do mundo. Neste momento, quem honra o verdadeiro Brasil é essa minoria que diz não ao esquecimento. Essa minoria numérica é nossa maioria moral.

domingo, 1 de abril de 2012

31 de março de 2012 - Comemoração da Redentora


Hildegard Angel: Nossos quixotinhos destemidos e desaforados diante do Clube Militar

do Blog de Hildegard Angel, no R7

Foi um acaso. Eu passava hoje pela Rio Branco, prestes a pegar o Aterro, quando ouvi gritos e vi uma aglomeração do lado esquerdo da avenida. Pedi ao motorista para diminuir a marcha e percebi que eram os jovens estudantes caras-pintadas manifestando-se diante do Clube Militar, onde acontecia a anunciada reunião dos militares de pijama celebrando o “31 de Março” e contra a Comissão da Verdade.

Só vi jovens, meninos e meninas, empunhando cartazes em preto e branco, alguns deles com fotos de meu irmão e de minha cunhada. Pedi ao motorista para parar o carro e desci. Eu vinha de um almoço no Clube de Engenharia. Para isso, fui pela manhã ao cabeleireiro, arrumei-me,  coloquei joias, um vestido elegante, uma bolsa combinando com o rosa da estampa, sapatos prateados. Estava o que se espera de uma colunista social.

A situação era tensa. As crianças, emboladas, berrando palavras de ordem e bordões contra a ditadura e a favor da Comissão da Verdade. Frases como “Cadeia Já, Cadeia Já, a quem torturou na ditadura militar”. Faces jovens, muito jovens, imberbes até. Nomes de desaparecidos pintados em alguns rostos e até nas roupas. E eles num entusiasmo, num ímpeto, num sentimento. Como aquilo me tocou!

Manifestantes mais velhos com eles, eram poucos. Umas senhoras de bermudas, corajosas militantes. Alguns senhores de manga de camisa. Mas a grande maioria, a entusiasmada maioria, a massa humana, era a garotada. Que belo!

Eram nossos jovens patriotas clamando pela abertura dos arquivos militares, exigindo com seu jeito sem modos, sem luvas de pelica nem punhos de renda e sem vosmecê, que o Brasil tenha a dignidade de dar às famílias dos torturados e mortos ao menos a satisfação de saberem como, de que forma, onde e por quem foram trucidados, torturados e mortos seus entes amados. Pelo menos isso. Não é pedir muito, será que é?

Quando vemos, hoje, crianças brasileiras que somem, se evaporam e jamais são recuperadas, crianças que inspiram folhetins e novelas, como a que esta semana entrou no ar, vendidas num lixão e escravizadas, nós sabemos que elas jamais serão encontradas, pois nunca serão procuradas. Pois o jogo é esse. É esta a nossa tradição. Semente plantada lá atrás, desde 1964 – e ainda há quem queira comemorar a data! A semente da impunidade, do esquecimento, do pouco caso com a vida humana neste país.

E nossos quixotinhos destemidos e desaforados ali diante do prédio do Clube Militar.  ”Assassino!”, “assassino!”, “torturador!”, gritava o garotinho louro de cabelos longos anelados e óculos de aro redondo, a quem eu dava uns 16 anos, seguido pela menina de cabelos castanhos e diadema, e mais outra e mais outro, num coro que logo virava um estrondo de vozes, um trovão. Era mais um militar de cabeça branca e terno ajustado na silhueta, magra sempre, que tentava abrir passagem naquele corredor humano enfurecido e era recebido com gritos e desacatos. Uma recepção com raiva, rancor, fúria, ressentimento. Até cuspe eu vi, no ombro de um terno príncipe de Gales.

Magros, ainda bem, esses velhos militares, pois cabiam todos no abraço daqueles PMs reforçados e vestidos com colete à prova de balas, que lhes cingiam as pernas com os braços, forçando a passagem. E assim eles conseguiram entrar, hoje, um por um, para a reunião em seu Clube Militar: carregados no colo dos PMs.

Os cartazes com os rostos eram sacudidos. À menção de cada nome de desaparecido ao alto-falante, a multidão berrava: “Presente!”. Havia tinta vermelha cobrindo todo o piso de pedras portuguesas diante da portaria do edifício. O sangue dos mortos ali lembrados. Tremulavam bandeiras de partidos políticos e de não sei o quê mais, porém isso não me importava. Eu estava muito emocionada. Fiquei à parte da multidão.

Recuada, num degrau de uma loja de câmbio ao lado da portaria do prédio. A polícia e os seguranças do Clube evacuaram o local, retiraram todo mundo. Fotógrafos e cinegrafistas foram mandados para a entrada do “corredor”,  manifestantes para o lado de lá do cordão de isolamento. E ninguém me via. Parecia que eu era invisível. Fiquei ali, absolutamente sozinha,  testemunhando  tudo  aquilo, bem uns 20 minutos, com eles passando pra lá e pra cá, carregando os generais, empurrando a aglomeração, sem perceberem a minha presença. Mistério.

Até que fui denunciada pelas lágrimas. Uma senhora me reconheceu, jogou um beijo. E mais outra. Pessoas sorriram para mim com simpatia. Percebi que eu representava ali as famílias daqueles mortos e estava sendo reverenciada por causa deles. Emocionei-me ainda mais. Então e enfim os PMs me viram.

Eu, que estava todo o tempo praticamente colada neles! Um me perguntou se não era melhor eu sair dali, pois era perigoso. Insisti em ficar, mesmo com perigo e tudo. E ele, gentil, quando viu que não conseguiria me demover: “A senhora quer um copo d’água?”. Na mesma hora o copo d’água veio. O segurança do Clube ofereceu: “A senhora não prefere ficar na portaria, lá dentro? “. “Ah, não, meu senhor. Lá dentro não. Prefiro a calçada”. E nela fiquei, sobre o degrau recuado, ora assistente, ora manifestante fazendo coro, cumprindo meu papel de testemunha, de participante e de Angel. Vendo nossos quixotinhos empunharem, como lanças, apenas a sua voz, contra as pás lancinantes dos moinhos do passado, que cortaram as carnes de uma geração de idealistas.

A manifestação havia sido anunciada. Porém, eu estava nela por acaso. Um feliz e divino acaso. E aonde estavam naquela hora os remanescentes daquela luta de antigamente? Aqueles que sobreviveram àquelas fotos ampliadas em PB? Em seus gabinetes? Em seus aviões? Em suas comissões e congressos e redações?  Será esta a lição que nos impõe a História: delegar sempre a realização dos “sonhos impossíveis” ao destemor idealista dos mais jovens?